quinta-feira, 13 de junho de 2013





ANDRÉ E O SIGNIFICADO DA HUMILDADE




Jogador humilde, afável e de enorme capacidade técnica e qualidade táctica, André Martins tornou-se no mais recente internacional A por Portugal, facto que me suscita grande satisfação pelo facto de há vários anos conhecer as suas qualidades e ter privado pessoalmente com este atleta que poderá ter aberto para si em definitivo as portas da Selecção Nacional.
 
Desta forma, passada a sua estreia frente à Croácia, constato que boa parte das palavras que me comunicou em entrevista, curiosamente a primeira da minha carreira e assim um momento que não mais esquecerei, há já mais de três anos permanecem actuais e comprovam que por muito que a fama se aproxime, a personalidade se encontra acima de tudo, como podemos perceber abaixo:
Quando iniciaste a carreira como jogador no Argoncilhe esperavas chegar a este patamar de jogador profissional, estatuto de que usufruis hoje?
Claro que não. Naquela altura eu ainda era miúdo, nunca ambicionava chegar onde estou agora, nem sequer pensava em sair de lá, mas as coisas foram acontecendo, fui gostando cada vez mais daquilo que faço e fui atrás de um sonho que criei. Tinha o sonho de ser jogador profissional, depois do Feirense veio o Sporting, fui trabalhando cada vez mais, com humildade e acabei por conseguir realizá-lo.

Chegado ao Feirense, como se processou a tua saída para o Sporting?

O Sporting acompanhava os meus jogos, ainda estive dois anos no Feirense, os de Infantil. O Sporting gostou de me ver jogar e quando vim para Lisboa já não vim para fazer testes, já vim como jogador do Sporting. Eu queria muito ir para o Sporting e foi o que aconteceu.

Quando chegaste ao Sporting tinhas 12 anos. Foi fácil a adaptação a uma realidade completamente diferente, vieste de Santa Maria da Feira, portanto ainda é um pouco longe de Lisboa…

Fácil, fácil, não foi, e admito que me correram muitas lágrimas pelo rosto com saudades dos meus pais, eu era um miúdo ainda e estava pouco habituado a sair de casa, muito raramente dormia fora, estava sempre com a minha família, que adoro. Para mim, a coisa mais importante no mundo é a minha família. Foi uma realidade completamente diferente, vim para cá, fiquei sozinho, tive de me ‘desenrascar’, não tinha os meus pais para me ajudar, custou-me muito, foi difícil, mas agora tenho prazer.

A família é a tua principal influência no futebol? A tua família sempre te apoiou nesse aspecto?

Sempre, sempre, nunca me faltou com nada até aos dias de hoje. Sei que no futuro vou sempre poder contar com eles, quer as coisas me corram bem ou, o que eu não espero, quer as coisas me corram mal. Sei que estarão sempre comigo, sei que posso contar com os meus pais e com o meu irmão para tudo. São o meu suporte quando as coisas me correm mal, são o meu conforto quando as coisas me correm bem também e para além de tudo estão sempre a apoiar-me, quer jogue bem ou mal, têm sempre uma palavra de carinho, uma palavra de apoio e sinto-me bem com isso, claro.

Entretanto, as etapas de formação no Sporting foram passando, com sucesso. Que memórias guardas destes quase anos de Sporting?

Memórias espectaculares, para já porque é um clube vencedor, é um clube que quer ganhar tudo onde entra e logo aí incute-nos uma realidade vencedora. A partir daí, o que mais gostamos é de ganhar. Era um clube assim que eu queria, que gostasse e quisesse ganhar sempre. Só guardo boas memórias porque normalmente acabámos vencedores. Nos anos que passei no Sporting apenas não ganhámos o Campeonato Nacional de Iniciados e a partir desse ano ganhámos todos os títulos que disputámos.
 
Agora que me falaste em títulos, qual foi o ponto alto da tua passagem pela formação do Sporting?
Eu penso que se fosse destacar um ‘pico’, elegeria o escalão de Juvenis de 2º ano, porque foi uma época espectacular, foi um grupo como há poucos, foi dos melhores em que eu já estive. Mostrámos a muita gente que não acreditava em nós quem éramos, que éramos bons, que éramos os melhores. Lembro-me que o grande ponto de viragem foi num torneio em que participámos na Holanda, no qual participaram grandes equipas e nós conseguimos ganhar o torneio, foi excepcional para nós, deu-nos confiança, deu-nos motivação e a partir daí, quando regressámos para disputar a Fase Final do Campeonato Nacional de Juvenis mostrámos a todos que éramos melhores.

No jogo do titulo em Guimarães, onde estavam cerca de 5000 pessoas, vencemos lá por 3-0 e jogámos um futebol espectacular, mostrámos que acima de tudo éramos um grupo unido, dentro e fora do campo também.

Privaste com jogadores de elevada qualidade, como o teu próprio caso, no Sporting. Qual foi na tua opinião o melhor jogador com quem privaste no Sporting?

Sem dúvida, o Diogo Rosado. Para mim, é um jogador que tem o dom do futebol e mais tarde ou mais cedo as pessoas vão percebê-lo: é um jogador fenomenal, faz coisas que eu raramente vejo num jovem da nossa idade, tem momentos únicos durante o jogo. Por vezes as coisas podem correr-lhe mal, é um jogador muito emotivo, por vezes pode ir abaixo mas faz coisas que eu nunca vi. Para mim, é o melhor jogador da nossa idade.
Que pessoas mais te influenciaram desde que chegaste ao Sporting, desde dirigentes, funcionários…

Todos, todos, todos… Todas as pessoas foram muito importantes para mim mas fundamental foi o Sr. Aurélio Pereira, que para mim foi uma grande ajuda, foi como um segundo pai, pois não tinha o meu pai comigo, e se precisasse de alguma coisa podia sempre contar com ele, as palavras dele foram muito importantes. Lembro-me dele estar sempre a apoiar-me, lembro-me da altura em que não representava a Selecção Nacional e ele dizia-me que o meu valor, um dia mais tarde, iria ser reconhecido, e cá estou, tenho representado as selecções nacionais e não me esqueço dessas palavras.

Passaste por vários treinadores nas camadas jovens do Sporting. Quais foram as maiores influências?

Não vou dizer que não gostei de algum porque gostei de todos os treinadores que tive, pois todos me ensinaram alguma coisa, mas se tiver de referenciar um, falaria no Luís Dias porque foi um treinador que em 2 anos me ensinou muito. Cresci muito com ele, tanto como jogador como pessoa, foram 2 anos inesquecíveis.

Acredito que tenhas muitos amigos no Sporting. Quais são aqueles que mais destacas, que colegas estão mais contigo?
A destacar, destaco o Diogo Rosado e o Pedro Miranda, porque foram dois colegas com os quais sempre mantive contacto, foram duas pessoas que sempre estiveram do meu lado, sempre me apoiaram e elogiaram quando foi preciso, criticaram-me também quando foi preciso e com isso também crescemos, pois são amigos e estão connosco, aprendemos com todos eles também, todos eles nos têm algo a ensinar. Como amigos, chegariam esses dois, mas o Pedro Mendes, o Wilson Eduardo … todos eles foram importantes para o meu crescimento.

Agora num parâmetro ‘extra-Sporting’. Falaste-me do Pedro Miranda. Tens muitos amigos em equipas adversárias?

Tenho, tenho, vamos fazendo amizades. Dentro de campo não há amigos, são adversários, mas fora dele tenho boas amizades, dou-me bem com o David Simão, que é jogador do Benfica, para mim é um grande jogador. Gosto muito de me dar com ele. Depois tenho muitas outras pessoas que já passaram pelo Sporting, como o Rui Fonte, o Diogo Viana também, que estava no Sporting e depois foi para o Porto… são pessoas com as quais me dou bem.
Mesmo com as condições fantásticas que te proporcionou, o Real SC é sempre um clube com menor estatuto que o Sporting. Alguma vez te sentiste desmotivado de alguma forma por saíres de um clube com a dimensão do Sporting para passares a jogar num clube de menor dimensão, numa divisão inferior? Nunca, nunca, e penso que nunca me sentirei porque o que realmente gosto é de jogar e apenas me sentiria triste ou desmotivado se não me deixassem jogar. O Real foi o que Sporting escolheu para nós, só temos de aceitar e pensar que é o melhor para nós. O que mais gostamos de fazer é jogar futebol e só temos de mostrar aos dirigentes e às pessoas do Sporting que ali nos colocaram que temos qualidade e ambição de jogar num nível superior. Acho que nenhum jogador se deve desmotivar por jogar numa divisão inferior ou porque o clube é inferior ao Sporting, isso já saberíamos que iria ser, só temos de dar o nosso máximo.

Não foste convidado para seres emprestado a um clube de maior dimensão na altura? O Sporting nunca falou contigo sobre isso? Não, não, a mim não me chegou nada. Se tive, não me chegou nada.
Outra questão em voga é a do empresário. Tens? Tenho, tenho, é o Pini Zahavi.
Qual foi o médio-centro defensivo que te causou mais dificuldades? Ou, tendo em conta que já jogaste a ‘trinco’, qual foi o médio ofensivo mais difícil de segurar? Sem dúvida o André Carvalhas, foi dos jogadores mais difíceis de marcar, é um jogador que se mexe muito, tem também uma qualidade acima da média, e foi difícil marcá-lo, apesar de em Alvalade o jogo me ter corrido bem, e no Seixal também, preparei-me bem durante os treinos, estava preparado, já o tinha visto jogar, já o tinha visto jogar muitas vezes, sabia os movimentos que ele normalmente fazia e os jogos correram-me bem, ganhámos, o que foi o mais importante. Também o David Simão foi um jogador muito difícil de marcar, são jogadores difíceis.

E num futuro mais a longo prazo? És daquele tipo de jogador que tem já a sua carreira pensada nos próximos anos? Já pensaste, por exemplo, terminar a carreira no Sporting, seres daqueles jogadores que fazem história, que atingem marcas de 300 jogos, por exemplo? Sim, eu penso no meu futuro mas por acaso nunca pensei nisso, nunca pensei se vou acabar a carreira ou não no Sporting ou se algum dia lá chegarei, não se sabe. O futuro é muito incerto para um jogador de futebol, hoje estamos aqui, amanhã já estamos longe… mas gostava de fazer história no Sporting, gostava de fazer muitos e muitos jogos pelo Sporting, é claro que é um sonho que tenho.
Antes de ires para o Sporting tiveste propostas de outros clubes? O Porto e o Boavista, e o Benfica também mostrou interesse, mas quando o Benfica conseguiu comunicar com o meu pai já eu estava no Sporting.

Quem te descobriu em Santa Maria da Feira, da parte do Sporting?

Foi o Paulo Cardoso e o Sr. Aurélio Pereira.

E lembras-te dessa abordagem, falaram primeiro contigo, com o teu pai…

Sim, falaram com o meu pai, lembro-me que estavam num restaurante a almoçar e eu com os meus pais, o meu pai disse-me que o Sporting estava interessado em mim. Eu na altura ri-me, pensei que ele estava a gozar e só depois me mostrou o cartão do Sporting e com os seus contactos, dizendo que estavam interessados. Fiquei estupefacto, sem saber o que dizer, mas não demorei muito tempo a pensar, porque sabia que o Sporting a nível de formação não tinha clubes à altura, então decidi-me rápido e pronto, vim para cá.

Do Benfica, sabes quem abordou o teu pai?

Não, nunca cheguei a saber.

E o Porto, mostrou interesse antes do Sporting?

Não, o Porto e o Boavista surgiram na mesma altura, lembro-me que foi num torneio em que participei pelo Feirense em Espinho, onde estava o Sporting, o Porto, o Boavista, o Leixões… consegui fazer um bom torneio, ganhei o prémio de Melhor Jogador e a partir daí surgiu o interesse do Porto, do Boavista… o Sporting também já tinha acompanhado jogos meus, o torneio apenas veio por acréscimo. Cheguei a comunicar com os dirigentes do Porto, mas a minha ideia era bem clara, era vir para aqui.

Mas foi apenas pelo facto de o Sporting ter melhor escola? Porque em Santa Maria da Feira estavas muito perto do Porto… talvez tivesse feito mais sentido teres ido para o Porto, se olharmos para a posição geográfica…

Foi o que a minha mãe me tentou dizer, a minha mãe não queria que eu viesse, tão novo, sozinho para Alcochete, mas eu disse-lhe que não, vir para aqui era o que eu queria e é claro que ela não me impediu, o que os meus pais querem é que siga os meus sonhos e estão sempre comigo para me apoiar. Foi o que aconteceu, apoiaram-me na minha vinda para cá, foram o meu suporte, foram muito importantes para a minha vinda para cá.

Como te defines como jogador? É complicado responder a essa pergunta, gosto mais que sejam as pessoas a falar sobre mim, mas tento ser um jogador rápido a pensar, acho que os bons jogadores são jogadores inteligentes. Tento ao máximo ser rápido, tento jogar simples, acho que a simplicidade torna o futebol mais bonito.

Deve ter sido uma dupla satisfação, ir à Selecção, mas também pudeste mostrar que o facto de seres pequeno não é um óbice…Para mim nunca foi um problema ser pequeno, nunca achei que seria um problema, é assim que sou, é assim que quero ser, não mudava nada em mim. Talvez tenha sido um problema para outras pessoas, porque se calhar não acreditaram em mim, mas o futebol é assim, estou preparado para tudo.

Agora pergunto-te o oposto: consideras o facto de seres pequeno uma vantagem que utilizas contra o adversário?

Claro que sim, claro que ser alto tem também as suas vantagens por jogarem melhor no ar, mas conheço jogadores pequenos que jogam também muito bem de cabeça, pois têm uma grande impulsão. Mas os jogadores mais baixos como já disse têm um centro de gravidade mais baixo, não é tão fácil perdermos bolas pelo chão, somos mais rápidos, mais ágeis no chão do que jogadores maiores, mas são opiniões, as opiniões divergem, e a minha é esta.

Há jogadores cujas carreiras são ‘traduzidas’ em frases, com as quais são recordados. Um dia, quando terminares a tua, com que frase gostarias de ser relembrado daqui por 20 anos, por exemplo? Não sei, nunca pensei muito nisso.

Poderia ser ‘jogador humilde’?

Sim, isso vou ser sempre, foi o que o meu pai me incutiu desde pequeno. A humildade é uma grande qualidade numa pessoa, em qualquer pessoa e o trabalho, que é o que vai dar frutos. É o que estou a fazer agora, nunca me vou cansar de jogar à bola, é o que mais gosto de fazer. Quero que as pessoas se recordem de mim como um jogador humilde e trabalhador.

Achas que o sítio de onde vens, Santa Maria da Feira, que não é uma cidade muito grande, tem influência na tua personalidade? És uma pessoa mais humilde, mais terra-a-terra… não te deslumbras com coisas que os jovens das cidades grandes se deslumbrariam com mais facilidade. Isso é importante?

Sinceramente acho que sim, porque normalmente em terras mais pequenas somos pessoas mais humildes, que se esforçam mais e que trabalham mais para terem os seus frutos. Nasci assim, fui criado assim, fui ensinado assim e muito de que sou hoje, se não mesmo tudo, devo-o aos meus pais, foram as pessoas que me ensinaram a ser assim. Sinto orgulho em ser assim e nos pais que tenho.


Texto: Rafael Batista Reis.
Imagem: D.R.
Nova Academia de Talentos
rafaelreis.rbr@gmail.com

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